IMOBILIÁRIAS FAZEM INTERMEDIAÇÃO À MARGEM DA LEI

Mediadoras contestam interpretação do ICI - Instituto da Construção e do Imobiliário.
Para além de mediarem a compra e venda de imóveis, que constitui a sua actividade principal, muitas das operações que são feitas pelas mediadoras imobiliárias incluem a prestação de serviços e apoio na obtenção de crédito.

E por este serviço de intermediação financeira as mediadoras recebem uma comissão paga pelos bancos. Este modelo de negócio, que para as imobiliárias "é totalmente pacífico", para o Instituto da Construção e do Imobiliário (InCI), antigo IMOPPI, responsável pela regulação do sector, ultrapassa o seu âmbito de actuação e cria uma situação de "conflito de interesses".
A interpretação da lei que regula a actividade, em vigor desde 2004, não é consensual no que se refere à componente da intermediação financeira, admitindo o InCI, em resposta a perguntas colocadas pelo PÚBLICO, que já foram abertos processos de contra-ordenação por este motivo e que já teve reuniões sobre esta matéria com o Banco de Portugal.

A legislação que regula a actividade da mediação imobiliária impõe o regime de exclusividade, admitindo apenas como excepção a actividade de administração de imóveis por conta de outrem.

O Decreto-Lei 211/2004 nada refere sobre a possibilidade de prestação de serviços de apoio à obtenção de financiamento junto da banca, com quem as mediadoras têm inúmeros protocolos.


Na prática, a realidade é substancialmente diferente: existem sociedades financeiras que não possuem rede comercial e apenas trabalham com as mediadoras - o caso mais conhecido é o da UCI, uma parceria do Grupo Santander com o BNP Paribas.

Para o InCI, não há dúvidas de que as mediadoras estão a actuar à margem da lei. No esclarecimento pedido pelo PÚBLICO, o regulador assegura que "quaisquer serviços que não integrem o âmbito da actividade de mediação imobiliária ou administração de imóveis estão interditos a estas empresas", lembrando ainda que a actividade de intermediação imobiliária é regulada pelo Banco de Portugal.

Conflito de interesses

O facto de as imobiliárias receberem uma comissão paga pelos bancos é para o InCI a prova de que se trata "de um serviço de intermediação financeira". E vai mais longe, ao considerar que esta situação gera um conflito de interesses prejudicial para o consumidor.

Ao serem remuneradas pelos bancos, "as empresas de mediação procuram, sobretudo, obter o negócio mais vantajoso para elas", sublinha o instituto, reforçando ainda que as mediadoras acabam por ter em consideração "as condições de financiamento impostas pelos bancos e a remuneração que elas recebem após a concretização do financiamento bancário".

A situação é grave até porque, sublinha ainda o InCI, "muitas vezes, o consumidor desconhece que a empresa de mediação tem protocolos celebrados com os bancos" e, por último, "o consumidor desconhece que a empresa de mediação recebe uma comissão do banco pela intermediação do financiamento".

O InCI deixa assim claro que este sistema não protege o consumidor, uma vez que não está garantida a apresentação das melhores condições de financiamento, mas antes aquelas que foram alvo de protocolos.

A situação torna-se mais gravosa pelo facto de a larga maioria dos clientes que recorrem a este serviço não dominar as questões do financiamento bancário, que no caso do crédito à habitação são complexas.

O InCI diz que "tem conhecimento da situação [de intermediação financeira] e está a actuar, tendo, inclusive, realizado algumas reuniões com o Banco de Portugal. Contactado pelo PÚBLICO, fonte oficial do Banco de Portugal recusou qualquer esclarecimento sobre esta matéria.

No âmbito da sua acção fiscalizadora junto das mediadoras imobiliárias, o InCI garante que "já foram detectadas situações" de intermediação financeira. Sem quantificar os processos já instaurados, o instituto limitou-se a referir que os mesmos estão ainda em fase de instrução.

Mediadores discordam

Os mediadores imobiliários têm uma visão totalmente oposta à do organismo que os tutela.

O presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), Eduardo Macedo, confirma que o modelo de negócio contempla o acompanhamento do cliente desde a visita ao imóvel até ao contrato de financiamento, e que são os bancos quem lhes paga uma comissão pela concretização da operação.

Mas contesta que haja qualquer ilegalidade nesse procedimento. Para Eduardo Macedo, não faz sentido problematizar este serviço das mediadoras, que é prestado no âmbito da compra do imóvel. Entende mesmo que a lei que regula a mediação não tem que incluir nada sobre essa componente do negócio.

O presidente da APEMIP estima que sem a prestação do apoio no financiamento, mais de dois terços dos negócios imobiliários não se realizariam.

E lembra que mais de 90 por cento das pessoas que compram casa recorrem a financiamento. Segundo Macedo, "são os cliente menos informados, ou os que entendem que a mediadora pode optimizar as condições do empréstimo, e é normalmente o que acontece, que pedem esse serviço".

Para o líder associativo, o que as mediadoras não podem fazer é tratar de processos de financiamento ou renegociar condições de empréstimos de forma autónoma. "O resto não é intermediação financeira, é antes a prestação de um serviço global ao cliente", defende Eduardo Macedo, que lembra que foram os próprios bancos a tomar a iniciativa de propor protocolos às mediadoras.

Apesar de considerar que a discussão não faz sentido, Eduardo Macedo admite que, se fosse imposta uma limitação à prestação desse serviço, "as mediadoras, pelo menos as de maior dimensão, terão de criar sociedades de intermediação financeira".

E equaciona mesmo a possibilidade de ser a própria associação, por decisão da assembleia geral, a criar uma empresa que preste esse serviço a todos associados.

"Numa solução desse género, até se poderão negociar comissões mais elevadas com a banca. Qualquer solução é melhor do que reduzir o negócio da mediação a um terço ou levar o cliente a uma sociedade de intermediação externa", defende.

Comissões muito variáveis

O valor das comissões pagas pelos bancos às mediadoras imobiliárias depende muito das condições estabelecidas com o mediador, pelo que a dimensão deste se torna um factor determinante.

O PÚBLICO apurou que o patamar mais baixo será o pagamento de uma comissão de 0,5 por cento, mas pode ultrapassar um por cento.

Exemplo:

um financiamento que envolva 150 mil euros pode representar uma comissão entre 750 e mais de 1500 euros para a mediadora.

Esta comissão é paga directamente pelo banco, sendo o serviço gratuito para o cliente, garante o presidente da associação dos mediadores imobiliários.

Porém, é frequentemente referida no sector a prática de dupla remuneração. Isto é, a mediadora recebe dos bancos a comissão e cobra ao cliente um valor pela organização total do processo.
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