TRÊS DE CADA 20 IMÓVEIS NOVOS RECEBEM QUEIXAS


Desde 2007, quando as construtoras descobriram no Grande ABC forte potencial de consumo e a região passou a se transformar em canteiro de obras, começou, por consequência, a surgir maior volume de reclamações sobre imóveis na planta. Para se ter ideia, até agosto, 15,3% dos apartamentos novos tiveram reclamações registradas nos procons de seis, das sete cidades (Rio Grande da Serra não forneceu informações). No mesmo período do ano passado foram 12,2% do total.
Levantamento realizado a pedidos da equipe do Diário mostra que, de janeiro a agosto, houve 358 queixas nos procons - no mesmo período em 2011 foram 465. O montante 23% inferior reflete apenas o volume menor de vendas dos apartamentos, o que não significa que os problemas diminuíram. O cálculo dos percentuais de imóveis com problemas foi feito com base em dados aproximados de comercializações do primeiro semestre de 2008 (3.807 unidades) e 2009 (2.336) - segundo a Acigabc (Associação dos Construtores, Imobiliárias e Administradoras do Grande ABC). Isso porque geralmente leva-se três anos para erguer um edifício. As queixas de hoje, portanto, são fruto de aquisições realizadas anos atrás.



Dificilmente há problemas quando o negócio é fechado; neste momento, a única coisa que se tem é o sonho da casa própria. No decorrer do tempo prometido pela construtora para a entrega das chaves, porém, é que aparecem as grandes chances de tudo se tornar pesadelo. Essa tendência começou com o aquecimento na demanda por apartamentos novos, incentivada pelo aumento da renda, do emprego e das melhores condições de financiamento. Foi quando a efervescência no mercado imobiliário se deparou com percalços, como a falta de mão de obra especializada e a ânsia de prometer prazos curtos de entrega para elevar as vendas, elevando as chances de algo dar errado.
No topo da lista de reclamações estão o não cumprimento do contrato, o que inclui atraso nas obras, a cobrança indevida de taxas e o não pagamento de multa pelo atraso da entrega. Sem contar a não devolução de valores em caso de rescisão e vícios no imóvel, como defeitos em paredes, problemas de encanamento e uso de material diferente do acordado.
No Grande ABC, o Procon de Santo André foi o que mais recebeu reclamações até agosto: 202, ou 56,4% do total. Na avaliação da diretora do órgão, Ana Paula Satcheki, é importante que sejam registradas as reclamações para que as construtoras fiquem mais atentas, e receosas, em relação ao trato com o consumidor.
Para minimizar a possibilidade de problemas ao adquirir imóvel na planta, Ana Paula orienta que o contrato seja lido com cautela - de preferência por um advogado - antes de ser assinado. "No momento de euforia, ninguém presta atenção nas entrelinhas. Porém, esses são os contratos que se tem por mais tempo na vida. É preciso tentar negociar com a empresa, por exemplo, as taxas Sati (cobrança de 0,88% sobre o valor do imóvel para despesas com assistência jurídica) e de corretagem (6%). Essas são despesas de responsabilidade da construtora, e não do cliente.”
O metalúrgico são-bernardense Samuel Ribeiro de Sá viu no programa do governo federal Minha Casa, Minha Vida, em 2010, a possibilidade de conquistar a casa própria e, em janeiro, se mudar com a namorada para apartamento do condomínio Top Life View, da construtora CR2, em Santo André. A entrega porém, foi postergada para julho de 2013. Sendo assim, ele seguirá na casa dos pais e, ela, pagando aluguel na Capital. Sá recebeu comunicado da companhia, em setembro, justificando o atraso por conta da "falta de mão de obra, de materiais de construção e as fortes chuvas que assolam o Estado de São Paulo". "Chuvas? Estamos há muitos dias sem cair um pingo de água do céu", reclama.
A CR2 afirma que "o contrato prevê, além do período de tolerância de 180 dias, a possibilidade de extensão do prazo previsto para a conclusão das obras na hipótese da ocorrência de eventos considerados como caso fortuito/de força maior", e as chuvas citadas ocorreram em 2010 e 2011. Segundo Sá, a CR2 quer cobrar correção do INCC (Índice Nacional de Custo da Construção) sobre o valor financiado, aplicando percentual medido durante o período de atraso da obra. Questionada, a construtora afirmou que todas as cobranças "seguem estritamente o previsto nos contratos firmados com nossos clientes".
Para a diretora do Procon de Santo André, Ana Paula Satcheki, porém, a cobrança é ilegal. "A culpa do atraso não é dele, mas da construtora. Por isso ele deve contratar um advogado e entrar com ação na Justiça", diz. "Como ele não sabe exatamente quando vai receber o imóvel, pode esperar a entrega das chaves e, além de pedir o não pagamento, cobrar da empresa indenização por perdas e danos materiais pelo período em ficou sem o apartamento."
Cerca de 60% dos problemas vão à Justiça
Cerca de 60% dos problemas relacionados à entrega do apartamento ou rescisão de contrato - justamente pelo não cumprimento do prazo - vão a juízo, segundo a diretora do Procon de São Bernardo, Angela Galuzzi. "No caso de desistência do imóvel, o consumidor não tem noção de quanto vai perder. Geralmente, as construtoras devolvem apenas entre 10% e 20% do valor pago. Se estiver no Judiciário, é possível conseguir até 90% do montante." Porém, a decisão pode demorar, e muito.
O advogado sancaetanense Luis Medeiros, que comprou imóvel da construtora Tenda em 2006, no condomínio Horto do Ipê, na Capital, com promessa de entrega para dezembro de 2007, aguarda há três anos decisão judicial. Perto da data de pegar as chaves, Medeiros foi ao local e constatou que a obra sequer havia sido iniciada. Aí começou seu desespero. Ele morava de aluguel e fazia faculdade, por isso optou pela aquisição do imóvel na planta, mas além de não se mudar para o apartamento conforme o previsto, teve de arcar com a elevação da prestação de R$ 150 para R$ 470 mensais. Ele então rescindiu contrato e, em 2009, ingressou com ação judicial para receber de volta todos os valores pagos, somado ao aluguel dos anos excedentes ao prazo, juros e multa.
"Os valores pagos à Tenda totalizaram R$ 60 mil, o que dava quase 90% do valor do imóvel. Na primeira tentativa de acordo, a construtora queria me dar imóvel com preço inferior ao meu, sem sacada e sem devolução de qualquer quantia excedente, o que me dava, na época, prejuízo aproximado de R$ 30 mil", relata. "Na segunda, o valor com seu devido reajuste estava em torno de R$ 120 mil, mas me ofereceram R$ 47 mil.”
Procurada, a Tenda informou que o condomínio foi entregue no ano passado e que, como "o processo deste caso específico está em juízo, assim como o cliente, a empresa aguarda determinação da Justiça e, portanto, não comentará o caso.”
O diretor do Procon de São Caetano, Emerson Prescinotto, orienta que é fundamental pesquisar o histórico da construtora, a fim de verificar a idoneidade da empresa e se há reclamações nos procons e em sites que registram queixas. "Informações prévias ajudam na escolha, já que as construtoras costumam deixar as pessoas à mercê delas. O consumidor não pode atrasar as parcelas, senão está sujeito ao pagamento de juros e até mesmo na perda do imóvel. Quando o atraso é da empresa, ela não é punida."
A diretora do Procon de Diadema, Maria Aparecida Tijiwa, sugere que o cliente se oriente sobre as taxas Sati, de corretagem, às quais não é obrigado a pagar, e de administração. "O trabalho de apenas levar sua documentação ao banco pode custar cerca de R$ 1.000. Ao identificar o pagamento dessa taxa no contrato, o consumidor pode negociar para executar pessoalmente essa tarefa e economizar o dinheiro. Mas isso deve ser feito antes de assinar."

O volume de queixas sobre imóveis nos procons tem sido tão expressivo, que vem galgando posições nos rankings dos mais reclamados, atrás apenas de serviços essenciais, como problemas com telemarketing.
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